Crónica | Alexandre Honrado – Os únicos a olhar o céu

Ponho-me muitas vezes a pensar na enorme angústia de existir de um homem como Nicolau Copérnico – Mikolai Koperkik -, astrónomo e matemático polaco, que teve a coragem de dizer ao mundo – e quando se diz “ao mundo” é sempre àquela percentagem muito pequena dos que se interessam e têm capacidade para querer entender – que o Sol era o centro de um sistema em que a Terra se incluía.

Até às ideias de Copérnico imperava o Geocentrismo – a Terra sim, era o centro do sistema. A discussão agravava-se quando a Teologia meditava sobre o assunto: criando Deus o céu e a Terra, lógico seria que fosse esta o centro do sistema e, afinal, não o era. Mais do que isso, o Sol, tido em certas culturas como um Deus, o que a uns se configurava como heresia, é que nos determinava a existência enquanto astro.

Copérnico nasceu em 1473 e viveu até 1543.  Teve a sorte de que, no seu tempo, a Igreja Católica aceitasse as suas ideias. A Igreja, essencialmente, considerava como referência o geocentrismo aristotélico, embora a esfericidade da Terra estivesse em aparente contradição com interpretações literais de algumas passagens bíblicas. Ao contrário do que se poderia imaginar, durante a vida de Copérnico não se encontram críticas sistemáticas ao modelo heliocêntrico por parte do clero católico. De fato, membros importantes da cúpula da Igreja ficaram positivamente impressionados pela nova proposta e insistiram para que essas ideias fossem mais desenvolvidas. Contudo, a defesa, quase um século depois, por Galileu Galilei da teoria heliocêntrica vai deparar-se com grandes resistências no seio da mesma Igreja Católica.

Pior viria ainda a suceder, ao descobrir-se que esse Sol, adorado por anímicos, pagãos, por civilizações intensas e tido até como deus único em alguns monoteísmos interessantes, esse Sol era fonte da nossa vida, e sem ele não existíamos, nem existiremos se as mudanças climáticas transformarem a sua generosidade em calamidade.  Só Donald Trum e uns quantos que não foram à escola, pensam o contrário.

Para Copérnico, a angústia era enorme. Ele vivia no seio da (fortemente marcada pela religiosidade) sociedade polaca, onde a religião à moda de Roma ainda hoje é preponderante.

Nicolau Copérnico foi cónego, isto é, vivia sob uma regra que lhe impunha deveres como a realização de funções litúrgicas.  O seu irmão André professou na Ordem dos Agostinhos em Frombork (Frauenburgo). A sua irmã Bárbara, que tinha o mesmo nome de sua mãe, tornou-se religiosa da Ordem dos Beneditinos e, nos seus últimos anos, priora num convento, em Chełmno (Kulm); tendo morrido por volta do ano de 1517. A outra  irmã, Catarina, foi a exceção e casou-se com Barthel Gertner, importante comerciante e edil da cidade de Toruń. Tiveram cinco filhos, que Copérnico tomou a seu cargo até ao fim de seus dias, não tendo ele próprio casado ou tido filhos.

Não muito tempo depois das descobertas de Copérnico, Galileu, físico e matemático, veio dar um contributo decisivo à teoria heliocentrista e provar que a Terra estava em movimento. Ia perdendo a vida por causa disso e os mais conservadores pediram o seu corpo para a fogueira.

A invenção do telescópio refrator, também chamado luneta astronómica, que Galileu vai apurar tecnicamente, veio tornar o céu uma coisa humana.

O telescópio refrator é um aparelho de duas lentes convergentes, e o comportamento da luz quando passa por essas lentes permitiu descobertas espantosas.

Os primeiros telescópios refratores acusavam uma dispersão de cores, a aberração cromática, que viria a ser corrigida quase um século depois. E as visões aprimoraram-se.  Parece que a ciência tem feito o mesmo no que respeita à forma como olhamos o mundo que nos rodeia e condiciona: combate as aberrações, dando-lhes novas possibilidades de clareza.

Acredito na profunda angústia de existir destes homens, capazes de, para além dos séculos e dos outros homens, começaram por ser os únicos a olhar o céu.  Um céu de astros – sobretudo com mais duvidas que respostas.

 

Alexandre Honrado

Historiador

Partilhe o Artigo

Leia também